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Como conversar com os filhos adolescentes sobre pornografia na internet

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A era digital trouxe desafios únicos para a parentalidade moderna. Entre eles, um dos mais delicados é como conversar com os filhos adolescentes sobre pornografia na internet. Afinal, os jovens de hoje têm acesso quase irrestrito a conteúdos adultos por meio de dispositivos conectados.

👉 Entenda a relação entre disfunção sexual e os efeitos do vício em pornografia

Conversar sobre pornografia com adolescentes não significa promover ou normalizar seu consumo, mas oferecer ferramentas para que compreendam criticamente o que veem e desenvolvam expectativas realistas sobre relacionamentos e sexualidade.

No entanto, antes de encontrarmos o tom certo, os caminhos mais produtivos e as bases teóricas mais confiáveis para falar com adolescentes sobre os riscos e o vício em pornografia, precisamos entender o “inimigo”.

Sim, como numa trama de super-herói, conhecer o vilão é essencial antes de enfrentar a batalha. E, nesse caso, o “vilão” tem superpoderes: atua no silêncio, é onipresente e se disfarça de entretenimento inofensivo.

Este vilão é a pornografia digital, com sua lógica viciante, seu fácil acesso e seus efeitos profundos no cérebro imaturo e em desenvolvimento do adolescente.

Resumo do artigo:

  • pornografia nos séculos XX e XXI;
  • a importância da masturbação;
  • como um hábito natural se torna um vício;
  • reflexos na vida sexual futura;
  • como conversar com seus filhos.

Antes: o que era pornografia no século XX?

Antes de apertarmos o play, vale fazer um “No episódio anterior de Comportamento Humano…”. Se você cresceu antes da era dos smartphones, talvez se lembre de como era difícil encontrar conteúdo adulto.

Revistas escondidas no fundo de alguma gaveta, VHS surrados passados de mão em mão, filmes codificados na TV a cabo… Tudo isso criava um “mistério” em torno do sexo e do desejo.

A pornografia era escassa, quase ritualística, e exigia esforço, o que limitava seu consumo.

Agora: bem-vindo ao streaming do prazer

Hoje, o acesso é infinito. Literalmente. Qualquer adolescente com um celular e acesso à internet é bombardeado, em segundos, por milhões de vídeos com os mais diversos tipos de práticas sexuais, fantasias e fetiches. Um “Netflix do sexo”, mas sem classificação indicativa, sem supervisão e sem freio.

Essa é a realidade de uma geração criada no universo da série Euphoria (Max), onde os dramas adolescentes se misturam com um consumo massivo de imagens, dopamina e desconexão emocional.

O que temos então?

  • Facilidade de acesso.
  • Conteúdos gerados por adultos (experiência x imaturidade).
  • Ausência de censura.
  • Disponibilidade para jovens com pouca ou nenhuma experiência sexual.
  • Imensa variedade de estímulos (tipos, pessoas, práticas, fetiches).

Vamos falar de masturbação sem tabus

Masturbação não é o problema. Na verdade, ela é uma aliada importante no processo de autoconhecimento, especialmente na adolescência.

Esse ímpeto, essa propensão à masturbação, é natural. Freud chamou de “pulsão”, Platão, “Eros”, e, bem, hoje chamamos de “tesão” mesmo.

O ponto é que a masturbação faz parte do amadurecimento sexual e emocional. Assim, ela ajuda o jovem a explorar seu corpo e entender suas sensações, antes e conjuntamente ao contato com a outra pessoa.

Mas o que acontece quando essa prática natural passa a ser mediada por estímulos artificiais, extremos e fora de controle?

O que transforma um hábito natural em um vício?

A resposta está na neuroquímica. Pense no cérebro como o sistema operacional de um computador. Quando tudo funciona bem, ele administra prazer, motivação, foco, humor.

No entanto, quando exposto, de forma contínua e precoce, a conteúdos pornográficos altamente estimulantes, esse “sistema” entra em pane.

A combinação da masturbação com o excesso de estímulos faz com que o impulso sexual natural – ou seja, o tesão – seja superado pela reação química gerada pelo cérebro ao ser superestimulado.

A pornografia gera uma descarga intensa de dopamina, o neurotransmissor do prazer. E, como disse o tio Ben para o Peter Parker (o Homem-Aranha), “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.

O problema é que, com o tempo, o cérebro se acostuma a esses picos. Então, como qualquer vício, precisa de mais estímulo para sentir o mesmo prazer.

A lógica do vício: overdose de dopamina

O excesso de estímulo (recompensas) gera a produção exagerada de dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer, recompensa, ânimo, comportamento, controle do humor, etc. Esse é o hormônio liberado na corrente sanguínea, responsável por regular as glândulas suprarrenais e o sistema endócrino.

Assim, funciona como em um videogame, em que a busca por novas “fases” mantém seu filho conectado, vidrado, viciado. É a lógica do sistema de recompensas do cérebro: estímulo leva à recompensa, que leva a mais estímulo e, novamente, recompensa.

Com o tempo, o cérebro deixa de reagir ao estímulo básico e exige cenas mais extremas, mais desconhecidas, mais bizarras. Ou seja, é a tolerância demandando mais para o mesmo resultado. Essa é a lógica do vício em drogas.

A produção exagerada de dopamina prejudica o bom funcionamento cerebral e do corpo. É como se estivéssemos sendo atacados.

Quando o prazer vira um “combustível”, o adolescente para de buscar estímulo sexual saudável e começa a usar pornografia como uma fuga emocional: do tédio, da ansiedade, da solidão, da falta de sentido, da dificuldade de relacionamento com a família. A pornografia vira, então, uma bengala química, como qualquer droga.

A resposta do cérebro: shutdown parcial

Para tentar equilibrar as coisas, o cérebro se defende. Ele bloqueia os receptores de dopamina, como um antivírus tentando conter um bug.

O resultado? Nada mais parece prazeroso. Nem a escola, nem o esporte, nem amigos, nem romances reais. Só a pornografia oferece aquele “reset” momentâneo.

Isso explica por que adolescentes viciados nesse tipo de conteúdo apresentam sintomas como:

  • irritabilidade;
  • ansiedade;
  • falta de concentração;
  • insônia;
  • apatia;
  • desinteresse sexual real;
  • isolamento;
  • depressão.

Sim, parece a descrição de uma força sombria invadindo lentamente a mente de um adolescente. Como Vecna na série Stranger Things (Netflix). Mas, na verdade, é apenas a dopamina agindo sem freios.

E o que dizer da vida sexual futura?

O mais assustador é isso: muitos desses adolescentes nem começaram a vida sexual real. Não beijaram de verdade. Não experimentaram o toque humano. Então, a pornografia cria um roteiro irreal, um modelo de prazer que não existe na vida fora das telas.

E, como os estímulos reais são mais “sutis”, o jovem não sente nada. Fica entediado com o toque, com o beijo, com o corpo da outra pessoa. Ele não busca o outro, pois está treinado para reagir apenas à hiperestimulação.

A lógica do “dopamina ou nada”

Sabe o que vicia mesmo? Não é o conteúdo explícito em si, mas o sistema de recompensa acionado no cérebro.

Tudo começa com uma escolha que parece inofensiva no início, tomada sob a ilusão de controle. Porém, leva rapidamente a um círculo vicioso de dependência e autodestruição.

Um adolescente viciado em pornografia já não busca mais prazer, mas alívio da abstinência. É como um dependente químico. E isso não é metáfora.

Um dado preocupante

Uma pesquisa publicada no periódico Archives of Sexual Behavior revelou que americanos casados que consumiam pornografia tinham mais do que o dobro de probabilidade de se divorciar em comparação aos que não consumiam. Isso acontecia mesmo quando outros fatores, como satisfação conjugal e sexual, eram considerados.

Esses resultados destacam o potencial destrutivo que o hábito mal gerido pode ter em relacionamentos estáveis – inclusive entre adultos que, teoricamente, teriam mais discernimento para administrar tais situações.

Imagine, então, o impacto na mente de um adolescente?

Afinal, como conversar sobre pornografia na internet com os filhos adolescentes?

1. Sem tabu, sem julgamento

Comece com escuta. Pergunte, ouça, não reaja com choque. Seu filho não é “pervertido”. Ele está vivendo em um mundo superestimulado e precisa de orientação, não de julgamento ou se sentir culpado.

2. Explique o funcionamento do cérebro

Mostre que o problema não é “pecado” nem “vergonha”, mas uma armadilha química. Então fale sobre a dopamina como você falaria de açúcar, de vício em celular, jogos ou drogas.

3. Diferencie sexo de pornografia

Sexo real envolve contato, afeto e cuidado. Pornografia é uma performance, que muitas vezes é machista, desrespeitosa e cruel. Explique isso com clareza.

4. Ofereça alternativas

Por fim, incentive o esporte, a arte, a música, o toque humano. Substitua estímulos virtuais, potencialmente nocivos, por fontes reais de prazer e conexão.

Conclusão

Seu filho não está “quebrado”, nem está passando por mais uma patologia a ser catalogada. Está sendo exposto, todos os dias, a um tipo de conteúdo que o cérebro humano, principalmente o adolescente, não está preparado para administrar. E o pior: ele está sozinho.

Você, como o adulto responsável, pode ser o guia nessa jornada. Com empatia, ciência e amor. E com a coragem de falar sobre o que ninguém quer dizer, mas todo mundo precisa ouvir.

Afinal, uma das tarefas mais importantes de um educador está em não recuar diante das dificuldades de intervir.

Artur Vieira Filho

Artur Vieira Filho

Artur Vieira é Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade; Estudioso da Ciência da Felicidade e Psicologia Positiva; Sexólogo e Terapeuta, especialista em Relacionamentos e Sexualidade; Co-fundador do Centro de Estudos da Felicidade; Palestrante sobre Felicidade, sexualidade humana e relacionamentos; Graduado em Psicologia Positiva pelo Wholebeing Institute, certificação internacional, e Felicidade e Bem-Estar pela Universidade Positivo; possui GBA (Global Business Administration) em FELICIDADE - transformando pessoas e organizações pelo ISAE/FGV - Curitiba; Professor convidado da Universidade Estadual do Maranhão no programa Educação para o envelhecimento e advogado.

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