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A dor não é inimiga: como o desconforto nos fortalece (e quando buscar ajuda psicológica)

A dor emocional pode ser professora ou sinal de adoecimento. Descubra a diferença entre desconforto e sofrimento e quando pedir ajuda

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Ninguém gosta de sentir dor. Isso é fato. E vivemos em uma cultura que nos encoraja a fugir de qualquer incômodo: um remédio para a pontada física, uma distração digital para o vazio da alma, uma busca incessante por uma “felicidade” que, muitas vezes, nos desconecta de nós mesmos.

Mas, e se a dor, o desconforto e sofrimento não fossem meros defeitos a serem eliminados, e sim sinais importantes — às vezes até construtivos?

Calma, vou explicar.

Desconforto e sofrimento: qual a diferença?

Tenho certeza de que, em algum momento da sua vida, você já se matriculou em uma academia. Ou decidiu começar um novo esporte. No primeiro dia, fez aquele aquecimento básico, pezinhos leves, alongamento para terminar.

Lembrou do que acontece no dia seguinte?

A gente geralmente levanta da cama sem saber o que foi que nos atropelou. Tudo dói. Pois então, é ela (a dor) que anuncia o esforço do treino.

É um incômodo, sim, mas você sabe que é o corpo se adaptando, as fibras musculares se reconstruindo, ficando mais fortes. Essa dor, você entende, é um sinal de crescimento.

Agora, imagine que você no primeiro dia de academia já chega exagerando no peso, fazendo um movimento brusco e sente uma fisgada aguda, quase insuportável.

Você sente que machucou um músculo, talvez até tenha rompido um ligamento. Essa dor não faz mais parte do crescimento. É um sofrimento físico causado por lesão. E isso te paralisa, te força a parar e buscar ajuda.

Fiz essa simples analogia para te ajudar a pensar sobre a sua vida, porque existe uma grande diferença entre o desconforto que nos fortalece e o sofrimento que nos paralisa.

Na vida, acontece o mesmo:

  • O desconforto pode ser o estresse necessário que você precisa para se desenvolver e ficar mais forte. Momentos de frustração, tristeza, angústia e ansiedade diante dos desafios da vida podem se comparar à dor muscular do pós-treino: incomoda, mas tem uma razão para estar lá. 
  • O sofrimento pode paralisar, adoecer e exige que você busque ajuda. Acontece quando a dor se torna avassaladora, prolongada, desprovida de propósito aparente, ou começa a minar sua capacidade de viver — afetando seu trabalho, seus relacionamentos, seu sono, seu apetite — ela deixa de ser construtivo e se torna, de fato, uma “lesão”.

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O que o desconforto pode ensinar?

Assim como a dor do treino fortalece o corpo, o desconforto da vida pode fortalecer a mente. Quer ver exemplos:

  • Frustração: incentiva a buscar novos caminhos, a aprender, a desenvolver uma paciência que antes não tínhamos.
  • Perdas: a morte de um ente querido, um trabalho ou uma relação, por mais dolorosa que seja, muitas vezes nos força a reavaliar o que realmente importa, a encontrar um novo sentido, a estreitar laços ou a redescobrir a própria vulnerabilidade como fonte de força.
  • Ansiedade diante de novos desafio: prepara para sair da zona de conforto e desenvolver novas habilidades para algo maior.

Filósofos como os estoicos já haviam decifrado esse enigma. Para eles, a dor possuía uma “alquimia” muito própria, capaz de transformar o que há de mais bruto em nossas experiências difíceis em sabedoria, força, um significado mais profundo.

Para eles, a questão não era “Como faço para essa dor parar?”, mas, sim, “O que essa dor está tentando me ensinar?”.

Eles pensavam o sofrimento como um casulo: apertado, escuro, desconfortável, mas essencial para que uma nova forma de ser pudesse emergir.

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O risco de fugir de todo desconforto

O problema é que nossa era moderna, com toda a sua tecnologia e avanços, nos tornou mestres no “alívio imediato“.

  • Sentiu uma pontada? Toma um analgésico.
  • Bateu o tédio? O feed infinito do celular está à mão.
  • Veio a tristeza? Uma enxurrada de distrações e anestesias nos espera. 

Mas ao eliminarmos cada mínimo sinal de desconforto, corremos o risco de interromper um processo natural e vital de amadurecimento.

É como se, na academia, você parasse de treinar ao primeiro sinal de cansaço. Seus músculos jamais se desenvolveriam plenamente.

Da mesma forma, se nunca nos permitirmos ouvir o desconforto emocional ou existencial, perdemos a oportunidade de entender o recado que ele traz e, mais importante, de crescer com ele.

Como diriam os estóicos, ficamos “menos hábeis em extrair significado do sofrimento inevitável”.

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Quando o sofrimento deixa de ensinar

É importante que você também tenha consciência de que nem toda dor é um convite ao crescimento. Existe um ponto em que o desconforto saudável se transforma em sofrimento que adoece.

Assim como há uma diferença enorme entre a dor muscular do treino e uma fratura exposta, há uma linha que separa o desconforto que nos edifica do sofrimento que nos incapacita.

⚠️ Fique atenta se:

  • O sofrimento é avassalador ou prolongado.
  • Falta propósito aparente para a dor.
  • Há prejuízos claros na vida diária: sono, apetite, relações, trabalho.

É nesse momento que o estresse momentâneo, que deveria impulsionar, se transforma em um transtorno de ansiedade, depressão ou outras questões de saúde mental.

A dor não está mais ensinando; ela está apenas machucando. E, como qualquer lesão séria, exige uma intervenção profissional.

O papel da psicologia diante do desconforto e sofrimento

O psicólogo não elimina todas as dores da vida, mas ajuda a lidar com elas de forma construtiva. Seu papel é:

  • Ajudar a distinguir: ensinar você a reconhecer a diferença entre o desconforto que faz parte do processo de crescimento e o sofrimento que indica uma lesão psíquica.
  • Fornecer ferramentas: equipar você com estratégias para lidar com o desconforto de forma saudável, aprendendo com ele e se fortalecendo.
  • Auxiliar na recuperação: quando a “lesão” — o transtorno — já se instalou, o profissional de saúde mental será seu guia para tratar a ferida, reabilitar suas capacidades e te reconduzir ao caminho do bem-estar e do crescimento.

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Dor como professora, não inimiga

No fim das contas, a dor e o desconforto são companheiros inevitáveis da jornada humana. Ao invés de fugir deles cegamente, podemos aprender a ouvi-los com uma nova perspectiva.

Eles podem ser nossos mais exigentes, mas também mais eficazes, treinadores. Contudo, é fundamental ter a sabedoria de reconhecer quando o “treino” se torna uma “lesão” e, sem hesitação, buscar a ajuda necessária.

Porque somente ao curar as feridas é que podemos, de fato, voltar a crescer, ainda mais fortes, resilientes e sábios.

E você? Consegue identificar qual foi a última vez que a dor te ensinou algo valioso e te impulsionou a crescer?

Se precisar de ajuda, estou aqui.

Tatiana Magalhães

Tatiana Magalhães

Psicóloga clínica e pós-graduanda em psicopatologia. Oferece consultas de psicoterapia online no Personare.

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